terça-feira, 12 de abril de 2011

Insider trading: primeira condenação por uso de informações privilegiadas


Em julho de 2006, a Sadia fez uma oferta pública voluntária para comprar o controle da concorrente Perdigão. Se aceita, a proposta resultaria, àquela época, na maior fusão no setor corporativo brasileiro desde a criação da AmBev, fruto da compra da Antarctica pela Brahma, em 1999. No entanto, essa tentativa de “aquisição hostil” não foi bem-sucedida de imediato, uma vez que a oferta foi recusada por acionistas que representavam 55,38% do capital da Perdigão.

Quase três anos depois desta primeira oferta fracassada, em maio de 2009, foi assinado o acordo de fusão que criou a gigante da indústria alimentícia nacional Brasil Foods (BRF). Passado pouco tempo da conclusão das negociações entre as duas empresas, descobriu-se que três executivos envolvidos na operação teriam feito uso das informações a que tiveram acesso em benefício próprio, caracterizando o crime de “insider trading”, previsto no artigo 27-D da lei 6.385/1976.

A legislação em vigor está fundamentada em princípios éticos que obrigam os executivos de empresas abertas ou as instituições que as assessoram a manter sigilo até o momento em que informações que podem afetar o mercado sejam divulgadas como fatos relevantes. O uso de informações privilegiadas, para operações vantajosas no mercado de capitais ou de ações, é considerado crime desde a publicação da lei 10.303/2001, que alterou a Lei das Sociedades Anônimas e a do Mercado de Capitais.

Recentemente, foi destaque notícia sobre a condenação penal de dois ex-executivos da Sadia por prática de insider trading, em sentença proferida pelo juiz Marcelo Costenaro Cavali, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro. A decisão, inédita, foi considerada um marco histórico no mercado brasileiro porque até então a prática, ainda que comprovada, não passava da esfera administrativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e as sanções se limitavam a multas, diferentemente do que ocorre nos mercados internacionais, em que crimes dessa natureza são punidos com severidade.

O ex-diretor de Finanças e Relações com o Mercado da Sadia, L.G.M.J., foi condenado ao pagamento de multa no valor de R$ 349.711,53 e à pena de um ano e nove meses de prisão, convertida em prestação de serviços comunitários, e foi proibido de exercer cargo de administrador ou conselheiro em companhia aberta pelo mesmo prazo. Já R.A.F.F., ex-integrante do conselho de administração da Sadia, recebeu multa de R$ 374.940,52 e pena de um ano, cinco meses e quinze dias de reclusão, também convertida para prestação de serviços à comunidade, e está proibido de exercer função semelhante pelo período equivalente ao da pena.

Segundo a decisão, os valores relativos às penas de multa serão revertidos para a CVM, a qual deverá destinar a quantia à realização de campanhas para “conscientização dos investidores sobre os malefícios da prática do insider trading”.

Na denúncia feita pelo Ministério Público Federal, em 2009, também havia sido acusado A.P.A., então superintendente executivo de empréstimos estruturados da instituição financeira que prestou assessoria à Sadia na montagem da oferta hostil para adquirir o controle acionário da Perdigão. Em 2010 ele fez acordo com a CVM e a Securities and Exchange Comission (SEC), dos Estados Unidos, e teve seu processo administrativo suspenso mediante o cumprimento de algumas obrigações perante a Justiça Federal.

L.G.M.J. e R.A.F.F. participaram das discussões e tratativas para elaboração da oferta ao mercado, obtendo, em virtude das funções exercidas por ambos, informações relevantes. De acordo com a denúncia, o primeiro cometeu o crime duas vezes e segundo, quatro. Juntos, os dois executivos lucraram aproximadamente US$197 mil com as operações com papeis da Perdigão negociados na Bolsa de Valores de Nova Iorque.

A proposta foi aprovada pelo Conselho da Sadia em 7 de abril de 2006. Nesta ocasião L.G.M.J. realizou a primeira compra de ações da Perdigão na Bolsa de Nova Iorque – cerca de 15.300 ADR’s (american depositary receipts). Em junho, considerando a proximidade do anúncio do negócio, o ex-diretor adquiriu mais 30.600 ADR’s, totalizando 45.900 ações, cujo valor unitário correspondia a US$19,17. Segundo o processo, as compras foram feitas com base nos dados a que teve acesso durante a negociação.

Quando soube da desistência da Sadia na compra da concorrente, em 21 de julho daquele ano, L.G.M.J. aguardou a divulgação da decisão para o público e vendeu as ações, com lucro menor do que o esperado. A venda das ações não foi considerada crime pelo MPF, pois foi realizada depois que a revogação da oferta se tornou pública.

R.A.F.F. comprou três lotes de ações da Perdigão na Bolsa de Nova Iorque, no período de 5 a 12 de julho. Foi pago o valor de US$344.100 por 18.000 ações, vendidas de uma única vez no dia 21 de julho, mesma data da recusa da Perdigão. Como a venda ocorreu antes da publicação de desistência, o MPF a considerou uma quarta prática de insider trading.

A sanção estabelecida para L.G.M.J. foi mais rígida do que a que foi determinada para R.A.F.F., pois o ex-diretor fez uso de uma offshore para efetuar a compra das ações. Para o juiz Cavali, trata-se de uma evidência de “tentativa de ocultar das autoridades brasileiras a negociação realizada”. Além disso, outro fato que pesou na fixação de pena mais elevada foi a quebra do dever de sigilo, considerando a posição por ele ocupada (era um dos líderes do processo), como diretor de relações com investidores, deveria “proteger a companhia e o próprio mercado de condutas contrárias ao seu bom funcionamento”.

Em síntese, foi argumentado por ambas as defesas que os executivos já haviam sido punidos em âmbito administrativo pela SEC e pela CVM, o que tornava a acusação feita pelo MPF uma repetição. A defesa de L.G.M.J. requereu direito à suspensão condicional do processo, sob a justificativa de que o cliente teria cometido, no máximo, um crime de insider trading. A defesa de R.A.F.F., por sua vez, alegou que a Justiça Federal não teria competência para julgar este tipo de crime.

Tanto as preliminares quanto as questões de mérito, levantadas pelos advogados dos réus, foram rejeitadas por Cavali, o qual esclareceu que o uso de informações privilegiadas é crime, “vindo a sanção penal a se somar às já existentes regras de responsabilização civil e administrativa”, e que crimes contra o mercado de capitais constituem delitos contra o Sistema Financeiro, devendo ser processados não só pela Justiça Federal, como pelas Varas Especializadas em Crimes Financeiros e Lavagem de Dinheiro.

Para Alexandre Pinheiro, chefe da Procuradoria Federal Especializada da CVM, trata-se de um “divisor de águas" e “mostra que esse tipo de crime tem uma resposta estatal em todas as esferas (não apenas administrativa, mas também criminal)”. Para a CVM, a impressão de que a impunidade prevalece abala a confiança do público em relação ao mercado, especialmente os acionistas minoritários, que se sentem lesados.

Fonte: IBCCRIM

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